Aqui jaz... eu. Nascido nas bandas de onde veio o presidente, tive infância ruim também. De tudo faltava, a fome era grande e o pessoal roubava muito nos governos de lá... não chovia e a gente rezava... parece até piada vendo agora. Não deu mais para aguentar e o pai levou a gente embora.
Demoramos para chegar aqui no Rio, mas todo mundo falava que ia ser diferente. Tinha uns primos que iam ajudar e até arrumaram emprego para a mãe em casa de família. O pai ia se virar e procurar alguma coisa. Mas eu logo vi que tinha alguma coisa errada. Lugar grande demais, gente demais... como é que podia ter lugar para todo mundo se nem para quem já tava aqui tinha direito?
Mesmo assim arrumaram um lugar para a gente morar. Era pequeno e no alto de um morro. Até eu que corria a beça ficava cansado de subir até lá. Ficava soltando pipa porque disseram que vaga na escola só no outro ano... e ainda faltava tanto! Eu gosto de ler. Mas aqui não tem livro. Para bem dizer, aqui só tem gente que nem a gente. Ninguém tem quase nada. Os primos arrumaram umas coisas para a casa. Uma geladeira velha, um fogão e duas camas. Mesa meu pai fez com umas madeiras que achou. Uma vizinha que ficou amiga da minha mãe deu duas panelas.
Tem um pessoal estranho, que anda com arma e diz que é dono de tudo aqui. Acho bobagem. Dono de que? Desse monte de casa feia que nem gaiola de passarinho no chão? Outro dia vi que eles são maus. Atiraram num homem não sei porquê. Depois ainda tacaram fogo nele. Mas se eles são donos daqui, porque não melhoram o lugar. Será que quem governa aqui é igual aos de onde eu vim? Acho que vim a toa, então...
Mas uma hora começou a chover. E choveu muito. No bar tinha uma televisão que mostrou uns lugares parecidos com esse aqui, e lá caiu tudo. Cheguei em casa e perguntei para a mãe se aqui não ia cair também. Ela não respondeu. Falou que o pai estava chegando e ia resolver. Que os moços de uma tal de defesa civil tinham falado que não tinha perigo. Mas os tais moços não sabiam que as casas que tinham lá foram contruídas em cima de um monte de lixo. Como é que eles jogam lixo aqui em cima é que eu não sei...
Eu sei é que ouvi um barulho. E aí caiu tudo em cima de mim e de todo mundo. Está muito frio e tudo molhado. Não consigo respirar. Não dá para chamar ninguém. Não vejo nada. Só queria dizer para o pai que eu sei que ele tentou fazer o que achava certo... mas que não deu tempo.
Ai, amigo... Como um ogro como vc consegue me fazer ficar com lágrimas nos olhos? Que texto é esse, cara? Brilhante como todos os outros, mas tão verdadeiro, tão sincero, tão sentido... Muito terrível fazer poesia com a desgraça alheia, mas você conseguiu. A poesia da realidade... Não sei como mas desejo que, de alguma forma, este seu conto da vida real possa mudar alguma coisa no destino das pessoas que moram em cima de lixões desativados e afins... Quem sabe não toca o coração das autoridades para evitar próximas tragédias? Sei que é utopia da minha parte escrever isso, mas... quem sabe? quem sabe?...
ResponderExcluirRoger Gorini, meus parabéns. Você é um escritor de mão cheia!
Saudoso cumpadre,
ResponderExcluirQd posso, visito seu blog, achando sempre a sua agudeza bem humorada e fluida. Por aqui em DF td indo em frente com esperança e algumas realizações,cicatrizes e chagas - algumas vivamente purulentas. A perspectiva é visceral. Publique um livro...natural pra ti.
GRANDE ABRAÇO
Lindo, sensível, triste, verdadeiro, e,como sempre, muito bom. Parabéns!
ResponderExcluirFiquei comovida com o texto, atépor ter amigos que moram lá e perderam parentes nessa ocasião...você escreve muito bem, parabéns!
ResponderExcluirMeu irmãozão, você mandou bem p'ra caramba. Lindo texto. Parabéns!(P. Casals)
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